LEONARDO RITO . Unknown Pleasures

A.E.GIS
Maio 2019

Leonardo Rito  | Unknown Pleasures

 

Prazeres Desconhecidos – Unknown Pleasures

 

A pintura tem o privilégio de se poder constituir em cada momento como um comentário a si mesma, a cada momento da sua história. Essa possibilidade nasce do imediatismo não linear da presença, na pertença a uma economia contingente à dialética temporalizada da tecnologia, incluindo a da linguagem humana. Entre a pintura e a palavra existe um feudo milenar de insurreição mútua e em nenhum lugar este conflito é tão forte como no imaginário sagrado, mesmo nos casos onde esta sacralização legitima um qualquer conteúdo político. O nome é molar, paranoico, autoritário e às suas purgas, neste campo, chamámos iconoclastias. 

A narrativa poderia, porém, ser feita ao revés e do lado das palavras. Esta seria a história clássica da desmagicização do mundo das imagens, apodadas de sensuais e ilusórias, operada primeiro pela religião do livro e depois pela ciência. Neste último capítulo da alfabetização, a ciência criou as suas próprias imagens para a constituição da prova, para fundar no verdadeiro a sua autoridade final. A fotografia tem aqui o seu papel histórico mais relevante. Mas foi também este papel de submissão da fotografia que libertou a pintura enquanto cativa da função anterior da produção quasi-epifânica do ideal, do religioso, do poder de origem divina. Modernamente, então, a pintura livre do signo autoritário, reabriu-se à terra. 

Serve esta introdução para enquadrar o trabalho de Leonardo Rito, o qual pelo destino do seu autor, revolve profundamente no conflito entre “a palavra” e a pintura e como pintura propriamente dita, no conflito entre imagem e superfície concreta. Esta produção significa numa encruzilhada de potência; a oportunidade de se constituir em sucessivos lançamentos sob a forma de investigações gestuais-pictóricas, as quais se tornam ainda mais poderosas à luz de uma redução pré-moderna do texto a um único livro, fantástico e familiar, particular e universal. 

Uma advertência. Esta possibilidade está condicionada a uma radical inserção do pintor no mundo contemporâneo da queda (no produto do demiurgo?), no lugar para além de qualquer significação, onde a tinta e toda a terra carrega uma gravidade própria, em todos os seus sentidos. Este é também o mundo do arquivo e da sua queda irrelevante, de presenças e das suas derivas, dos substitutos dessas presenças e devires; – as imagens técnicas e a sua materialidade peculiar. A pintura é neste sentido a exibição impúdica da ferida aberta do filho do homem.

 Aqui, na pintura de Leonardo Rito, constitui-se não apenas a promessa de uma poética crítica à história da imagem sagrada ou de a partir destas a uma crítica antropofágica da pintura contemporânea mas sobretudo a possibilidade de uma redução d’A palavra, já sem Torquemada e Trento, a um solo fértil de união do produzir de imaginário ao que nos tem cativos e sempre nos interessou enquanto animais: o Eros em todas as coisas. Este caminho, para lá da crítica ou do comentário, é pensado por mim como originário e verdadeiro.

 

André Poejo, Caraglio, Maio de 2019